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Investir no Mundo

Todos os anos na Prefeitura de Kumamoto, no Japão, é realizado o festival do fogo da região de Aso. Estas celebrações marcam o fim do inverno e o ínicio da primavera, um novo começo.
Carregando a “Divindade Noiva”, o sacerdote e assistentes transportam o seu santuário desde a cidade de Yoshimatsu até ao topo do monte Aso. No santuário do monte encontra-se o Deus Kunitatsunokami, com o qual se irá casar.
Durante o percurso, diversas pessoas realizam o hifuri shinji, um ritual onde balançam à sua volta uma tocha em chamas presa a uma corda - saúdam os deuses e pedem uma colheita abundante ao deus guardião da agricultura Kunitatsunokami.

御前迎え 火振り横

Existem muitas semelhanças entre as celebrações deste tipo, que ocorrem por todo o mundo, e o ato de investir. Todos os anos carregamos o nosso portfólio pelas subidas e descidas e com “fé” na estratégia escolhida. Tememos o pior e esperamos pelo melhor.
Quando não se compreende no que se investe, ou adquire-se a crença emprestada de outros, pode ser difícil aguentar e manter o rumo quando o caminho se revelar mais fatigante.
Por todos os canais digitais ocorrem sugestões cujo melhor investimento é através de uma solução passiva de índice. Que seguir os mercados mundiais é uma aposta “certa”. Se todos o fazem, deverá ser a melhor solução para o leitor?


É difícil aceitar que existe quem invista com as convicções de outros. Sentido crítico e uma justificação concreta e razoável são fundamentais nas decisões de investimento. É meu objetivo expor alguns dos pontos, premissas e razões que justifica investir neste tipo de estratégia.
Escolher um fundo para manter e investir durante grande parte da nossa vida não é uma tarefa leviana. Além da constante aprendizagem, o que somos hoje não define necessariamente o que seremos amanhã. O que não considerámos relevante pode, de um momento para o outro, começar a fazer sentido. Isto é normal e faz parte da jornada como investidor.
No entanto, quando refiro a decisão, refiro-me à questão mais importante: onde o investidor pretende especular?

Somos todos especuladores

Todos especulamos. Eu especulo. O leitor especula. A questão apenas se prende com a razoabilidade da especulação. Investir num ativo de uma empresa consiste em tomar os riscos intrínsecos ao negócio da mesma.
Se o risco fosse apenas a mera volatilidade, ou desvio padrão, seria obrigatório assumir um predicado muito perigoso: o risco traduz-se sempre em recompensa. Abordar o mercado com esta mentalidade explica em parte porque a maioria perde o seu capital. Com o objetivo cego de maximizar retornos toma-se mais risco assente neste falso axioma.

“Quando se é abençoado com inteligência, também se é amaldiçoado com a capacidade de usá-la para inventar histórias complexas que justifiquem acontecimentos - em particular, histórias que justificam erros ou que eventualmente estamos certos numa área onde estamos errados.”
- Morgan Housel

Deter ativos individuais aumenta o risco não sistémico, i.e., risco específico à empresa. Problemas de gestão, vendas, quotas de mercado, disputas, entre outros, fazem parte do leque deste tipo de risco, que pode ser mitigado através da diversificação. De fato, é possível reduzir este tipo de risco através da compra de outros ativos individuais. Existem evidências que apontam para uma boa mitigação do risco não sistémico quando se detém mais de 20 ações. Porém, diversificar com ações individuais traduz-se no possível surgimento de custos elevados com o portfólio. Uma abordagem minimalista no campo dos custos pode ser benéfico a longo prazo.

Esta suposição está muito enraizada quando se estuda os mercados. O risco nem sempre se materializa em retornos para todos os ativos. O propósito do portfólio necessita de ser um equilíbrio entre duas qualidades: proteger da perda de poder de compra e salvaguardar a perda total do capital. Se a aposta refletir apenas uma das componentes, toma-se o risco da oposta. Esta ameaça é encoberta por períodos de retornos anormais. Pensar que o seu portfólio irá tornar o leitor abastado é a maior lenda das finanças pessoais para alguns.

Quando investe num fundo de índice mundial existe uma aposta a ser efetuada. Contudo essa aposta baseia-se na premissa otimista do crescimento e desenvolvimento económico do mundo. Assenta na crença que o nosso investimento absorverá uma parte desse retorno.

Ativamente passivos

O tempo é a componente mais omnipresente nos investimentos. Independente do tipo de investidor ou do investimento, o domínio temporal define o quão ativo somos no mercado. Não se iluda, na verdade todos somos ativos.
Um especulador ou trader encontra-se no maior grau de atividade. Contudo, quando é realizado algum investimento com todo o capital disponível (lump sum), ou se realiza investimentos periódicos (como dca ou reinvestir dividendos), também está associado um timing temporal. Se a estratégia de investimento passar por rebalancear ou comprar diferentes ativos também estão presentes elementos de gestão ativa. Tudo é influenciado pela componente temporal.
A componente passiva num fundo de índice não está relacionado com o domínio temporal. Delega-se a componente de gestão dos ativos subjacente para o processo que replica o índice. Delega-se os elementos de reinvestimento, no caso de fundos acumulativos. De acordo com a estratégia do fundo, o balanço dos ativos também é efetuado. Mudanças num índice de capitalização de mercado, os ativos são substituídos quando são removidos do índice.
Para o caso de fundos de índice para reforma (designados lifestrategy), os ativos são trocados por outra classe, sendo o mais usual a passagem de ações para obrigações conforme a data objetivo se aproxima. Não existe necessidade de avaliação constante como em ativos individuais.

Esperar pelo melhor

A razoabilidade da especulação define a razoabilidade do investimento. O melhor histórico do qual há registo não são os mercados bolsistas, mas sim a história da humanidade. A não ser o risco de destruição do planeta e extinção, a nossa espécie tem obtido progressos económicos cada vez mais significativos.
Esta é uma aposta moderadamente otimista. Só porque vemos caos e negativismo constante à nossa volta, não significa que não existe progresso. Não se pode esperar notar mudanças e evoluções drásticas, mas elas existem. Prova disso é olhar por exemplo para a evolução tecnológica nestes últimos 10 anos. A recente pandemia pode efetivamente atrasar ou colocar em pausa alguns avanços, não obstante, o desenvolvimento também é sensível a ciclos.

A perspetiva macroeconómica consiste em duas vanguardas da humanidade: crescimento populacional e o desenvolvimento tecnológico. Coloquem as restrições que quiserem, o mundo já está e ficará cada vez mais ligado. A tenologia e conhecimento tenderão a transpor barreiras e chegarão às nações emergentes. Ergo, grande parte da tecnologia já é produzida nesses mesmos países. Pensar na hiperglobalização, é pensar em todas as trocas de bens, serviços e conhecimento. É pensar que o mecanismo fundacional é a vida a acontecer. Investir de forma passiva num fundo de índice mundial é assumir uma previsão macroeconómica otimista e esperar crescimento desta tendência histórica.

Existe mesmo diversificação?

Contrário ao pressuposto comum, quando consideramos a proteção contra a perda total de capital, não é possível obter muita diversificação no mercado de ações. Um bom exemplo, mesmo apenas considerando o mercado americano, é olhar para o ano de 2008: não importava que tipo de ações tivesse no portfólio, a destruição de riqueza foi uma realidade. O mais recente crash pandémico provocou um drawdown semelhantes para vários ativos.

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Drawdown dos vários ETFs de fundos de índice - Mundiais (IWDA, VWCE, VGVF e ACWI) e regional (SP500).

O conceito de diversificação parece bastante desvirtuado do que se espera. Cullen Roche faz uma analogia perfeita com base num conhecido anaforismo: “A maré alta levanta todos os barcos, mas a maré baixa também os atola todos”. A velha abordagem e conceito de ações designadas de defensivas também tem vindo a ser desacreditada. Com a perspetiva emergente de um mundo macroeconómico, as interligações e correlações quebram as antigas suposições. Isto é sobretudo observado entre todas as indústrias, cujas correlações são cada vez maiores. [1]
Estima-se que mais de 70% dos movimentos do mercado seja resultado de reações e tendências macroeconómicas [2]. Faz sentido diversificar quando já se investe num fundo de índice de um mercado?

A verdadeira diversificação

Reforço que o objetivo não é proteger contra quedas de mercado - são ações - irão sempre sofrer maior volatilidade. Hoje em dia os mercados também estão cada vez mais correlacionados, pelo que é expectável alguma sincronização de volatilidade.
O objetivo é a proteção contra a desvalorização e sustentadamente preservar e crescer o património, através da diversificação dos mercados. A própria composição do índice aplicará mudanças conforme as mesmas forem acontecendo; conforme diversos mercados se tornarem mais, ou menos, relevantes.
A diversificação permite obter os retornos favoráveis dos mercados em anos bons contra o fraco desempenho de outros mercados em períodos com retornos negativos ou nulos. Quando se fala em diversificação acredito que seja esse conceito (de não parar o efeito composto) que interessa. Comprar todos os mercados de forma a capturar a maior probabilidade de uma constante de retorno positivo.
Investir nos vários mercados mundiais acaba por oferecer esta vantagem em troca de um potencial de retorno menor do que comparado a um investimento passivo mais concentrado como o S&P500.
De forma a obter mais algum grau de diversificação, é digno explorar outras classes de ativos diferentes. A verdadeira diversificação acaba por consistir em criar um portfólio confortável a nível psicológico, com classes de ativos que proporcionem um retorno mais estável e equilibrado de acordo com o investidor.


Investir nesta premissa parece tão fácil que tendemos a duvidar. Consiste só nisto? Em teoria sim. Na prática, a escolha por um produto financeiro requer atenção a detalhes técnicos fora do âmbito desta publicação. Porém, o mais importante é não se iludir e perceber de forma clara onde vai investir.
Não fico satisfeito quando se partilha frases como “a melhor forma de investir é ETFs”. O conhecimento transmitido é incompleto e falha nos termos que deveriam ser transmitidos. Os fundos de índice não existem apenas sobre a forma de ETFs. Os fundos de índice não são apenas mundiais. Nem todos os ETFs são de fundos de índice ou passivos. Investir num fundo de índice mundial é uma aposta razoável. Pode não ser para o leitor e não há nada de errado com esse facto. A parte mais difícil dependerá sempre de si: ser paciente, esperar pelo melhor e não inventar.

“Noventa porcento das finanças pessoais é apenas gastar menos do que se ganha, diversificar, e ser paciente.”
- Morgan Housel


PRINCÍPIOS

A razoabilidade da especulação define a razoabilidade do investimento.

Investir num fundo de índice mundial é tomar uma aposta razoável a favor do desenvolvimento da humanidade.

O objetivo da diversificação é a proteção contra a desvalorização e evitar a paragem do efeito composto no património.


Referências

[1]. Roche, Cullen. “Pragmatic Capitalism: What Every Investor Needs to Know About Money and Finance.”

[2]. Francois Trahan and Katherine Krantz, “The Era of Uncertainty: Global Investment Strategies for Inflation, Deflation, and the Middle Ground”, 2011