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Investir na Geração Futura

Sempre fui um bom aluno segundo os padrões da sociedade. Recebia “receitas”, decorava, e aplicava durante os testes. Existe uma boa sensação, que afaga o ego, quando recebemos uma boa classificação. No entanto, um sentimento de insatisfação foi crescendo durante a minha vida académica. Quanto mais aprendia, menos sentia que sabia.
As formas aprendizagem não estão limitadas aos métodos de ensino oficiais. Esta é a minha tentativa de aumentar a consciência para este problema e repor prioridades sobre o que é mais importante.

Zelar pelas gerações futuras, pela nossa descendência, é uma preocupação genuína. Existe um sentimento de inquietude, e dever, de permitir um futuro melhor, ou pelo menos mais folgado em termos financeiros, aos descendentes.
É recorrente o surgimento de discussões em grupos de literacia financeira sobre a melhor forma de investir capital a ser usufruído pelos filhos. Este tipo de pensamento não está errado. Embora seja uma atitude nobre, e esperada de um progenitor, na minha perspetiva esta ideologia está incompleta.

Perspetivas de um futuro “fácil”

Os propósitos diferem: entrada para uma casa, cobrir ou auxiliar o ensino superior, entre outros. Ainda assim, o objetivo é partilhado: investir nos primeiros anos de vida algum capital num produto financeiro, com a esperança que o mesmo cresça para ser usado na maioridade.
Antes de mais, não pretendo equivocar. Esta abordagem é sem dúvida uma das maiores demonstrações de afeto. Não obstante, a mesma é imperfeita no sentido do seu resultado e eficácia estarem dependentes de várias condicionantes:

  • O desempenho e retorno, durante esse período, do(s) produto(s) financeiro(s) que escolheu com base nos seus conhecimentos, crenças e visão do mundo.
  • O contexto e evolução social futura.
  • O crescimento e desenvolvimento do próprio benificiário.

A última condicionante é, a meu ver, a mais crítica de todas. O beneficiário do futuro capital terá suas próprias crenças, personalidade e hábitos. Esta abordagem é perigosa pois ilude um progenitor com a crença que controla o rumo e vontade de um outro ser. Existe um risco de desilusão quando colocamos visões egoístas sobre os outros. Mais agravante quando são os seus descendentes.
Arrisco dizer: um forte trabalho na educação tornará os restantes fatores irrelevantes. Até mesmo se nunca chegar a ter condições de reunir qualquer tipo de capital monetário. A maior condicionante será a seguinte:

  • O grau de educação (e literacia financeira) que conseguir transmitir e ensinar.

Sem as ferramentas e modelos mentais corretos, mesmo que facilite ou desbloqueie futuras situações de vida dos seus filhos, os mesmos poderão deter graves lacunas contra as adversidades.
Se não tem capacidade financeira de investir, com o objetivo de os ajudar no futuro, não é caso para preocupação. Invista primeiro em si, perceba como poderá transmitir conhecimento, e ensinar o que é importante primeiro. Ser e ter um bom professor ajuda muito.

Perspetivas de um futuro tranquilo

Os modelos de ensino atuais aparentam estar distorcidos. Todos os anos são publicados “ranking das escolas”, e todos os anos os rankings desiludem. Aponta-se o dedo à falta de investimento, aos professores, aos alunos, ao privado (com alegados facilitismos), e outras narrativas.
Os sinais são óbvios a meu ver. O sistema de ensino grita por ajuda. Os alunos gritam por ajuda. Que melhor prova e autoavaliação existe?
Não foram as métricas que deixaram de funcionar. O sistema de ensino não evoluiu, enquanto todo o mundo seguiu em frente.
Julian Shapiro resume de forma direta esta linha de pensamento:

A escola mal nos ensina:

  • Pensamento critico
  • Cultivar a curiosidade
  • Ter conversas difíceis
  • Manter relacionamentos
  • Navegar pela saúde mental

É realmente boa em nos:

  • Conformar ou ser intimidado
  • Aprender apenas com as autoridades
  • Memorizar curiosidades para passar em testes falsos

- Tweet por Julian Shapiro

Investir na educação dos nossos filhos através da escolha de um método de ensino (refiro, método e não sistema) e de atividades lúdicas nas quais demostrem prazer é um bom investimento que pode fazer por eles. Melhor que isso? O melhor investimento que pode fazer é investir tempo com eles.

David Almas deu recentemente o seu segundo AMA (ask me anything) para a comunidade do reddit de literacia financeira. David Almas é um ex-jornalista, vive atualmente, segundo o próprio, em IFRA (Independência Financeira e Reforma Antecipada) e é o editor do boletim tlim, uma publicação eletrónica de finanças pessoais. A sua relação com os filhos é um reflexo da sua ideologia:

O melhor que posso dar e deixar aos meus filhos é conhecimento. Para lhes dar esse conhecimento (ou educação), tenho de estar presente. Para maximizar a minha presença, tenho de ter disponibilidade. Ergo, se posso não ter um emprego, devo preferir não o ter, o que quer dizer que o património que lhes deixarei será menor. (…) Eu quero dar a oportunidade aos meus filhos para fazerem os seus próprios percursos. Tenho a certeza que se safarão. - David Almas

Perspetivas de felicidade

Se o leitor acredita que esta publicação está desenquadrada de um tópico de literacia financeira, permita-me que discorde. Na minha visão, não existe nada mais importante do que os fundamentais.
Existem dois tipos de jogos que podemos experimentar na vida: de Status e compostos. O primeiro tipo emergiu desde as primeiras civilizações. É um jogo de soma zero do qual pode sair beneficiado ou não. Naval Ravikant, um empresário e angel investidor de sucesso, adquiriu bastante conhecimento sobre este tipo de jogos. Exprime os jogos de status de uma forma muito conhecedora.

O problema é que, para vencer um jogo de status, é necessário rebaixar outra pessoa. É por isso que se deve evitar jogos de status na vida - transformamo-nos numa pessoa irritada e combativa. (…) Estamos sempre a lutar para colocar outros em baixo e colocar-nos a nós próprios, e quem gostamos, em cima. - Naval Ravikant

Percorrendo todas as civilizações até hoje, a procura por Status está sempre presente. Sempre se estabeleceu hierarquias. Sempre se tentou escalar o próximo posto ou patamar. Sempre nos relativizámos em relação ao próximo. Mas acaba por ser, nas palavras de Naval, “um jogo de soma zero”. Um indivíduo pode acrescentar mais numa posição que outro, mas o jogo para lá chegar não faz parte desse contributo.
Não devemos apreciar jogar pelo status. Não obstante, todos temos de jogar desta forma em algum momento da nossa vida. De facto, é um mal necessário na sociedade para determinar liderança, mas é importante não esquecer o seu preço e consequências.

A minha definição de sabedoria é saber as consequências das próprias ações a longo prazo. - Naval Ravikant

Os jogos iterados são diferentes. Este segundo tipo representa todos os outros tipos de retorno da nossa vida. Prosperidade, relações ou conhecimento são todos jogos iterados e potenciados pelo efeito composto. Neste prisma, não necessitamos de sorte. A sorte aparecerá por si em resultado das iterações.
Uma mente focada e estabelecida será o melhor preparo quando a oportunidade surgir. Ser capaz de controlar o nosso tempo, e desenhar hábitos, que permitam ser quem queremos. “Ter opções e escolhas para fazer o que quisermos na vida é o maior dividendo que alguma vez terás”, segundo Morgan Housel.

Perspetivas de Liberdade

J.L. Collins, é um bom exemplo de um legado. Percebendo a falta de interesse da sua filha sobre o tópico do dinheiro, Collins entendeu que necessitava de uma abordagem simples para transmitir a sua mensagem.
Começou por escrever uma série de cartas para a sua filha sobre o dinheiro e os investimentos, sobre o que resultou e falhou com ele. Hoje, essas cartas transformaram-se num dos livros mais apreciados para introdução aos investimentos.
A especialização é excelente quando somos felizes a realizar determinada tarefa. O restante meio envolvente necessita de flexibilidade. Existem matérias no qual o interesse é nulo. Infelizmente, as finanças e relação com o dinheiro podem ser uma delas. Contudo, pouco interesse não significa tomar decisões mal informadas.

Não há nada que não consigas aprender,
nenhum lugar onde não possas ir,
se leres.
- J.L. Collins

Não é preciso ter medo de nada. O melhor modelo mental que aprendi ao longo dos anos prende-se com bases. Se conseguir identificar as bases para aprender o que necessito, consigo aprender qualquer coisa. O leitor pode conseguir tudo. A falta de dinheiro nunca pode ser a desculpa nem a causa. Tempo é o verdadeiro privilégio. É preciso ser exímio onde gastamos tempo.
Nos dias de hoje podemos tentar, falhar e fazer sem pedir permissão. Nunca imaginei escrever publicações para um blog pessoal. Cada dia de escrita é uma aprendizagem e um desafio. Vivemos numa época onde o processo criativo está totalmente dependente de nós.
Com a tecnologia atual, pode pesquisar, instruir e criar qualquer forma de alavancagem. Pode desenvolver o hábito de leitura e cultivar o mesmo nos seus filhos. Pode estudar fotografia e avaliar se desperta interesse neles. Pode aprender programação e passar o gosto. Não é tarde para si, nunca será tarde para eles. Não se preocupe se não conseguir deixar património aos seus filhos. Poderá deixar muito mais.
Esta é a mentalidade que um dia espero transmitir à próxima geração. Existe um provérbio chinês que se transformou numa das frases feitas mais famosas. Quase de certeza que o conhece. Para mim, nunca fez tanto sentido:
“Não dê o peixe. Ensine a pescar”.


PRINCÍPIOS

Os objetivos dos investimentos para os nossos descendentes podem não coincidir com os nossos desejos e o uso final.

O melhor investimento para consigo e os seus filhos é tempo.

Se não puder alocar capital monetário para o futuro, invista tudo o que possa em si e neles.