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Hábitos - A nossa salvação ou ruína?

Investir é simples. O problema está no seu início. O começo é o período onde o novo investidor está mais vulnerável. Tudo é novo. A terminologia, os conceitos, as operações e a quantidade de fontes de informação e desinformação.
A falta de conhecimento e de julgamento leva a tomada de decisões precipitadas, fruto da pressão publicitária e social que instiga o sentimento de FOMO (Fear of Missing Out). Se antigamente existiam muitas barreiras para investir, e dificuldade de acesso a repositórios de informação, nos dias de hoje acontece o contrário, sendo necessário apurar o sentido crítico.

No entanto, este é o momento de cometer erros. Cada erro, se devidamente assumido, ajudará a moldar o comportamento como investidor. É durante o início do percurso que se formarão os hábitos como investidor (ou especulador). Esses hábitos serão a nossa salvação; ou a nossa ruína.

(…) atos de qualquer tipo produzem hábitos ou carácteres do mesmo tipo. Portanto, devemos ter certeza que os nossos atos são de um certo tipo; pois o carácter resultante varia conforme eles variam.
- Aristóteles

Somos todos preguiçosos. Mesmo que o tente refutar, há algo que todos temos em comum: o nosso cérebro odeia desperdiçar energia e rege-se pela lei do menor esforço. É impossível evitar.
Sempre que uma tarefa começa a ser realizada com bastante frequência, o nosso cérebro aprende e automatiza-se para realizar a mesma com a menor energia possível. Quando tal acontece, cria-se um hábito.

O poder dos hábitos

James Clear no seu livro Atomic Habits apresenta-nos um modelo explicativo para a formação de hábitos, num modelo semelhante ao descrito por Charles Duhigg.
De forma sucinta, o ciclo de realimentação (feedback) de um hábito consiste na sugestão, desejo, resposta e recompensa. A sugestão e desejo integram a componente do problema, e a resposta e recompensa a componente da solução.
Acabar com um mau hábito passa por tornar as sugestões menos visíveis, o desejo pouco ou nada atrativo, a resposta difícil e, por fim, a recompensa não satisfatória.

Pensa-se que a orientação e disposição do terreno nos continentes teve um enorme impacto e efeito composto no desenvolvimento das civilizações da Europa e Ásia. A possibilidade de expandir os terrenos numa orientação Este-Oeste, ao invés de Norte-Sul, traduziu-se no exemplo perfeito à escala global da formação de hábitos e lei do menor esforço.
Cultivar em orientação horizontal evitava procurar novas espécies e técnicas de cultivo para adaptar a novos terrenos e climas. É mais fácil expandir na direção mais atrativa, devido à estabilidade do clima nesse eixo. Este mero hábito cultural, teve posteriormente, repercussões no desenvolvimento ou atraso de civilizações nas regiões do planeta.

habitat |ábitat|

Ambiente ou conjunto de condições e circunstâncias físicas e geográficas onde vive e se desenvolve qualquer ser organizado.

- fonte: Priberam

Conseguir praticar desporto, praticar uma alimentação adequada, ou escrever um livro não resulta de sermos indivíduos disciplinados, ao contrário da crença social. Quem consegue realizar tais tarefas criou hábitos, quer esteja consciente, ou não, dos mesmos.

Habitat de Investimento

O ato de investir, ou especular, não foge a esta imposição biológica e o nosso sucesso a longo prazo está mais dependente e relacionado com os hábitos interiorizados do que com a nossa habilidade na escolha de ativos financeiros. Não me interprete mal. Escolher um bom produto ou ativo financeiro também terá impacto, desde que investir faça parte dos seus hábitos.

Os Hábitos são o efeito composto do autoaperfeiçoamento
- James Clear, Atomic Habits

Os nossos traços de personalidade estão intrinsecamente ligados ao processo de criação de hábitos. O modelo Big-Five é uma das teorias atualmente aceites, no ramo da psicologia.
Este modelo distingue 5 traços de personalidade diferentes: Amabilidade, Abertura à Experiência, Conscienciosidade, Extroversão e Neuroticismo. Cada traço de personalidade é um espectro, evitando assim uma classificação binária e o problema de extremos entranhado na nossa sociedade.

O perfil de investidor encontra-se relacionado com os nossos traços da personalidade e influência como nos comportamos nos mercados. Este facto é óbvio e fácil de constatar. O difícil está em identificar os nossos próprios traços e tomar consciência do ser que somos.
Como descobrir o que funciona connosco? Experimentar. Falhar. Falhar. E Falhar. O método que a nossa sociedade tanto penaliza hoje em dia. A abordagem da tentativa e erro é a melhor forma para construir os hábitos que melhor funcionam com a nossa personalidade.

Muitos investidores detêm uma chamada conta de playmoney. Mesmo estando conscientes, que o caminho mais racional passa por não perseguir retornos acima do mercado, conhecem-se bem o suficiente para perceber a necessidade de uma escapatória deste tipo. Contudo, é importante relembrar que se está a alimentar e a votar nesse “tipo de pessoa”.
Quando analisamos personalidades que adquiriram grande património e riqueza é raro encontrar afirmações ou linhas de pensamento que associem a origem da sua riqueza a um episódio particular de desempenho extraordinário.
Esses casos especiais são vistos como impulsionadores e não como causa aos olhos do individuo. É bastante usual o contrário: a criação de riqueza e património resume-se à repetição consistente dos mesmos comportamentos por largos anos.

O mesmo acontece para a incapacidade de manter riqueza. O caso da Archegos é o exemplo mais atual de como os hábitos também são a nossa ruína.
Bill Hwang tornou-se num dos maiores falhanços da história, quando a sua estratégia de trading de swaps (um produto derivado) eclipsou 20 mil milhões de dólares da sua fortuna. Fortuna essa que cresceu através de apostas com a mesma estratégia. Se o hábito é apostar, seria expectável que algum dia a sorte acabasse.

Mais uma ferramenta

As melhores oportunidades de investimento estão, na maioria das vezes, relacionadas com repetição consistente de ações e total imobilidade em relação aos investimentos prévios. Na verdade, a dificuldade passa por encontrar os modelos mentais para tomada de decisão e os hábitos para ser consistente.
Uma ideologia minimalista nos investimentos, que referi numa publicação anterior, é uma ferramenta poderosa quando combinada a um conjunto de bons hábitos. Cria-se uma suíte poderosa para apenas depender de nós próprios e não da “sorte dos mercados”.

A nossa abordagem e definição de objetivos também inflige consequências diretas na motivação e resultados. Todos os que se interessam por esta área sabem que se deve poupar, investir e muitos já calcularam algum tipo de número mágico a alcançar. Pensamos que já sabemos tudo e que a meta está definida algures.
O problema em apenas definir resultados finais divide-se em dois pontos. Descredibiliza-se o processo que nos vai conduzir ao objetivo e é mais dificil de produzir as mudanças interiores necessárias. Torna-nos rígidos e pouco flexíveis à adaptação e mudança, quando deveria residir aí o valor da caminhada.

As metas referem-se aos resultados que desejamos alcançar. Os sistemas referem-se aos processos que levam a esses resultados.
- James Clear, Atomic Habits

Para produzir mudança temos de acreditar naquilo que somos. Que tipo de pessoa quero ser?
“Sou um investidor que vou alcançar a independência financeira em N anos.”
Caso se tenha identificado com esta frase é normal. Todos temos sonhos e objetivos. Contudo é fácil cair na armadilha: o foco está no fim e não no processo.
Para obter resultados é preciso olhar com outra visão, não olhar para um possível futuro eu, mas sim, olhar com atenção por onde caminhamos e o que devemos fazer para lá chegar. É preciso uma mudança de perspetiva que permita ultrapassar qualquer “Vale de deceção”. É preciso ter uma estratégia razoável:

Sou um investidor consistente e de longo prazo, invisto de forma periódica sem falhar independente da situação dos mercados.

Não é por acaso que se estuda os hábitos dos milionários. Transpor hábitos de outros será sempre uma forma muito válida de adquirir e discriminar hábitos benéficos para a nossa saúde financeira.
Na minha visão, ser literato financeiramente é muito diferente de ter conhecimento de funcionamento de mercados e produtos financeiros. É autoavaliação, introspeção, entender a psicologia comportamental humana, as histerias das massas e suas manias.

A forma não está em procurar o alfa mas sim obter o melhor beta possível, lembrando Nick Maggiulli. Preservar património e viver dentro do custo de vida que se define (e se pretende) só é possível através de prática e interiorização.

Deverias estar muito mais preocupado com tua trajetória atual do que com teus resultados atuais
- James Clear, Atomic Habits

Espada de dois gumes

Tornar o inconsciente consciente pode levar anos. Esta é uma característica dos hábitos de longo prazo. Os nossos hábitos podem resultar em enviesamentos de análise e predisposições, cujas fundações só começam a tremer quando finalmente comparamos os mesmos com uma realidade fatual.
Analisar o nosso histórico como investidor é talvez o melhor exemplo. Aceitar e entender as perdas, ganhos e comparar o desempenho com o mercado é uma boa política.
Tendo um bom histórico de investimento, um investidor pode, por exemplo, comparar-se a um índice ou estratégia passiva. Os alicerces caem quando existe a constatação que a sua recompensa foi menos satisfatória.

O movimento FIRE (ou IFRA) provoca muitos casos de nervosismo nas redes sociais. Existe muita falta de confiança e histórias com desenlaces menos positivos. Quem fica na dúvida se deve fazer FIRE (ou IFRA) é porque, de alguma forma, se sente desconfortável ainda com a questão do seu custo de vida ser realmente suportado pelo seu património.
Eu acredito que alguns desses planos falhem devido ao choque entre os hábitos anteriores e posteriores ao “salto”. Um investidor com bons hábitos durante anos vai estar mais confiante sobre si e sobre a sua estratégia, talvez nem coloque essa questão.

Nem todas as soluções passam por criar novos e bons hábitos. Inverter hábitos antigos e indesejáveis é a tarefa mais árdua.
Ninguém é perfeito. O hábito onde estou a ter mais dificuldade passa por desligar da informação dos mercados. É bastante difícil não espreitar as cotações dos mercados e dos meus investimentos. Tento reduzir ao mínimo a exposição. Não tenho a aplicação da corretora, e desinstalei a aplicação com cotações dos mercados.
Não ter este tipo de apps instaladas nos dispositivos permite tornar a sugestão menos obvia e a resposta mais difícil. Se quiser mesmo verificar alguma cotação, sou obrigado a procurar o website e cotação pelo browser. Pode parecer irrelevante, mas em contraste com abrir uma app, esta resistência é o suficiente para que desista na maioria das vezes.

James Clear resume de forma exemplar o impacto da mudança: “Todos nós enfrentamos desafios na vida. (…) a experiência ensinou-me uma lição crítica: mudanças que parecem pequenas e sem importância no início, culminam em resultados notáveis se estiver disposto a mantê-las por anos”.
Nunca é tarde para que os hábitos sejam a nossa salvação.


PRINCÍPIOS

Só é possível produzir mudança ao ser consciente da origem dos seus hábitos

A consciencialização dos nossos hábitos e desenvolvimento dos mesmos é mais importante do que conhecimento profundo do mundo dos investimentos.

Saber como preservar riqueza de nada serve se não existir habito adquirido e interiorizado.