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A Nova Epidemia das Subscrições

A nova epidemia que ameaça as nossas carteiras

Vivemos numa época onde gerir e consultar as nossas finanças é mais acessível e fácil do que nunca. Todas as entidades financeiras dispõem de aplicações móveis e ferramentas para controlar os nossos orçamentos. Contudo, parece haver cada vez mais um descontrolo por parte das famílias. Esta situação revela-se ainda mais dificil de controlar com um novo paradigma que impõe a sua presença e dependência nas nossas vidas: as subscrições de serviços.


O conteúdo infinito tem um preço

Com certeza o leitor mais atento já se consciencializou desta chegada. Afinal, quem já não ouviu falar da Netflix? A recente pandemia apenas acelerou uma adesão e transição que, segundo os analistas, já se esperava. Portugal é um dos países que mais aderiu a esta tendência que parece vir para ficar, sendo o contexto atual o catalisador perfeito.

A concorrência neste campo é a prova que estes serviços vieram para ficar. Atualmente a Netflix perdeu uma margem de mercado considerável nos EUA. A chegada da Disney+ não é só uma consequência direta da necessidade de diversificar os fluxos de receitas da empresa, mas também a aceitação de um caminho já delineado por outros, fruto das necessidades e sucesso do fenómeno streaming. A existência de concorrência é um ponto positivo para o consumidor. Projeta-se um crescimento considerável dos conteúdos em oferta no catálogo nos próximos anos.

Qual o problema que este novo modelo acarreta? Primeiro, é preciso notar o impacto que o mesmo pode ter nas nossas vidas e finanças pessoais. E se lhe disser que esta mudança de paradigma transforma os nossos custos finitos numa nova “renda”?
Um agregado familiar já detém por norma, várias despesas associadas à vida quotidiana: Água, Eletricidade, Comunicações, Crédito Habitação ou Renda e eventuais créditos de consumo. Considerando o custo fixo de um serviço 3P (TV + Net + Telefone), que custa por exemplo 32€ por mês, aderir a uma subcrição Netflix reflete um custo adicional entre 7,99€ e 13,99€. Este “pequeno” extra representa um aumento de 25% em relação ao custo fixo exemplificado para a escolha do plano de subscrição com menor valor. Parece pouco? Os problemas surgem quando detetamos à nossa volta este padrão de forma constante.


No profissional

No dia 4 de Fevereiro de 2014, Satya Nadella arrancou uma nova era de ideais para a Microsoft. A gigante tecnológica, que muitos apregoavam como estando ultrapassada, recebia ao leme um novo capitão. Como CEO, Nadella arcou com uma revolução interna que revitalizou a empresa: foco no growth mindset e nos serviços da cloud. Hoje, a Microsoft não vende software nem sistemas operativos, isso é secundário; a gigante fundada por Bill Gates e Paul Alen vende subscrições da sua suite Office 365 de ferramentas de produtividade e os serviços cloud na sua plataforma Azure.

Se antigamente uma licença office comprada durava anos até atualizar ou comprar nova versão, hoje custa 69€/ano. Não é fácil encontrar alternativas fortes a nível profissional e a tecnológica de Redmond sabe bem a dependência e penetrabilidade do seu software nas empresas e funcionários.

A Adobe não ficou para trás nesta revolução. A multinacional americana mundialmente conhecida pela sua ferramenta Photoshop percebeu o novo jogo e lançou em 2014 a sua subscrição Adobe Creative Cloud. Esta estratégia aliada ao desenvolvimento das aplicações mobiles do Lightroom e explosão do seu uso para publicar conteúdo nas redes sociais permitiu criar uma base sólida de utilizadores com receitas consideráveis e em crescimento.


Lazer digital

Para quem segue a temática dos videojogos, certamente a chegada da nova geração de consolas não passou despercebida. Tanto a Microsoft como a Sony apresentaram as suas novas consolas com um detalhe subjacente: a transição digital. A Sony foi mais longe e deu a escolha aos jogadores: uma edição digital não compatível com jogos em formato físico e oferta de um catálogo promocional de títulos PS Plus (o seu pacote de subscrição que oferece jogos todos os meses e acesso ao jogo online). A Xbox reforçou o seu compromisso com a comunidade com a aquisição de vários estúdios de qualidade e atualizou o seu serviço de subscrição. O Xbox Game Pass permite aceder a um catálogo de mais de 100 títulos Xbox e outras vantagens.

A qualidade destes serviços não está em causa. Aliás, a oferta parece excelente em termos de valor quando comparado ao custo a retalho de um jogo em formato físico. O problema é que os jogos não são realmente do utilizador. Na verdade, o jogador apenas tem acesso ao seu catálogo se tiver a subscrição ativa, tornando este processo na verdade mais próximo de um leasing. É neste ponto que surge a dependência do serviço, forçando assim a constante renovação e pressão psicológica para não perder acesso ao que nunca foi nosso.


Tesla: a galinha dos ovos de ouro?

Se acha que um veículo automóvel é apenas uma forma de irmos do ponto A ao ponto B desengane-se. Elon Musk, o irreverente CEO da marca, define os seus veículos como uma plataforma, um ecossistema na verdade.

A denominada Premium Connectivity inclui várias funcionalidades como é apresentado no website da companhia: Mapas satélite com visualização de trânsito em tempo real, Reprodução de música e multimédia via Internet no automóvel, Transmissão de vídeo, Caraoke, Navegador de Internet. Este serviço de subscrição está disponível como subscrição mensal de 9,99 €.

O aguardado Auto pilot que permitirá condução 100% autónoma é esperado que seja lançado este ano e também ficará acessível através de uma subscrição. Mas não é só a Tesla que está a implementar o modelo software-as-a-service na sua estratégia e modelo de negócio. Quase todos os construtores já perceberam a potencialidade do conceito e, embora não tão avançados, começam a surgir várias ofertas concorrentes com subscrição de conectividade.


Era só uma livraria online

Seguindo a revolução tecnológica, também os livros transitaram para o formato digital. A guerra de formato físico vs digital, embora esteja para durar largos anos devido à resistência do papel, permitiu o desenvolvimentos dos e-readers que, assim como eu, muitos de nós já adotaram.

Ninguém adivinhava que a outrora substimada livraria online Amazon se tornasse na plataforma mundial de venda online que é hoje. Ninguém, excepto Jeff Bezos. A gigante de Washington lançou o primeiro Kindle em 2007. Hoje, o Kindle é um ecosistema próprio dentro da plataforma e o seu Unlimited subscription service, a 9.99€($) por mês, permite o download e leitura de todos os livros que quisermos de um catálogo com mais de 1 milhão de títulos. Contudo, o leitor não irá encontrar os últimos lançamentos ou os mais vendidos na coleção.


Como me protejo?

Não quero que o leitor fique com a ideia de um futuro de dependências irrevogáveis. Aliás, sendo a minha profissão enquadrada na área tecnológica, seria hipocrisia não admitir que as subscrições são um excelente modelo de negócio a aplicar numa futura empresa.

Acredito que alguns destes serviços tornam a nossa vida mais cómoda e que oferecem muita qualidade e valor para o preço praticado. O receio reside apenas nesse ultimo ponto: o preço praticado. Enquanto existir concorrência e possibilidade de escolha, o poder e decisão encontra-se do seu lado; mas e quando escolher uma plataforma? O que pode impedir um súbito aumento?

As empresas também têm a vida dificultada: funcionários ambientados ao software de produtividade, serviços e hardware onde assenta o núcleo do negócio. A transição não é impossível, mas os fornecedores de serviços tornam-na propositadamente difícil. Há vários casos de estudo de transições problemáticas para software aberto como o que tentou a cidade de Munique por duas vezes.

O facto de muitas subscrições também controlarem o quando e como oferecem o conteúdo traduz-se numa desvantagem. Qualquer plataforma de streaming pode decidir disponibilizar todos os episódios de uma série ao longo de meses ao invés de imediato. Um determinado conteúdo pode ser removido sem aviso. Não escolhemos que jogos vão ser oferecidos futuramente para a nossa consola e perdemos acesso aos mesmo se a subscrição não for renovada. Podemos fazer apenas uso de uma parte das ferramentas ou aplicações disponibilizada pela suite.

A única escolha que temos é se queremos ou não o serviço.

Se queremos ou não subscrever.

Tudo “conspira” para que não nos lembremos da subscrição. A plataforma MBWay da SIBS até adicionou um cartão MBnet para pagamentos recorrentes de serviços. Os provedores agradecem. Quantas vezes foi de férias e não cancelou a subscrição daquele mês? Quando foi que viu um filme qualquer porque não havia mais nada de interessante para ver? Utiliza assim tanto a conectividade do seu carro, tendo smartphone com mãos livres ou a fazer de hotspot ligado para os outros tripulantes?

Como fazer uma melhor gestão deste tipo de gastos? Uma estratégia que tem funcionado comigo em várias situações da vida consiste em colocar alguma resistência no processo. Não implemento renovações automáticas nem pagamentos recorrentes; faço sempre um novo pagamento com um novo cartão gerado. A razão? Este é o meu ponto de resistência. Este processo permite-me avaliar e ponderar se o que vou subscrever vale a pena ter o trabalho de renovar. Já existem algumas séries interessantes novas que quero ver? Acabou a minha subscrição da consola, vou ter tempo para jogar nos próximos tempos?

Se é difícil resistir a uma renovação, a partilha de contas, quando possível, também é uma solução óbvia e muito satisfatória que muitos já fazem. Apenas ativar uma subscrição do género por mês também pode ser útil. No mundo dos videojogos é possível encontrar campanhas que disponibilizam uma subscrição anual por um preço mais baixo.

Aceite. O que paga não é seu e pode ser tirado a qualquer momento é o melhor mindset para esta “epidemia” que está a começar; e não somos nós que definimos as regras deste jogo.

Porém, existe também um aviso subjacente para quem pretende atingir independência ou liberdade financeira. O aparecimento de novos gastos inesperados, obriga a uma abordagem mais humilde nos cálculos de gastos futuros. Embora o caracter essencial destes gastos possa ser subjectivo, acredito que é ingênuo não admitir que poderemos querer usufruir de alguns destes serviços no futuro.


PRINCÍPIOS


Colocar alguma resistência nos nossos gastos permite refletir sobre a necessidade dos mesmos.

Vão sempre existir novos gastos e imprevistos que nunca conseguiremos prever. Uma abordagem humilde e mais conservadora pode ser a nossa melhor proteção.