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A Maior Lenda das Finanças Pessoais

A ideia de ser possível alcançar os nossos desejos investindo as nossas poupanças é uma promessa antiga, que muitos “mentores” do investimento e poupança fazem: basta cortar um pouco a despesa aqui, investir ali, e por magia, daqui por uns anos conseguirá tudo o que sempre quis.
Se para alguns este conto de fadas é verdade, para a maioria não é bem assim.

Limites do Investimento

As recentes febres dos mercados criaram novos milionários. A narrativa não é novidade. Quem permanece investido tem maiores probabilidades de retorno. É uma tarefa infortuna adivinhar quais os dias terão a maior parte dos ganhos para o ano. É mais fácil e razoável permanecer investido ao invés de tentar controlar o mercado.
Os recentes ganhos são “perigosos” para o pequeno investidor. As expectativas são cada vez mais altas. Os investidores esperam retornos cada vez maiores, influenciados pelo incrível bull market que se iniciou 2009 e pela recuperação do crash pandémico.
Todos estes acontecimentos podem fazer sonhar os mais incautos. Restabelece o desejo de uma vida financeira mais folgada para alguns. Recupera a ambição de atingir a independência financeira para outros. Relança a esperança de atingir metas que podem ser pouco realistas.

Os jovens são facilmente enganados porque têm esperança.
- Aristóteles

A apreciação de um portfólio beneficia do efeito composto. Sucessivas valorizações podem fazer crescer o património de forma exponencial. Infelizmente, para o comum investidor isto não é inteiramente verdade. Os limites prendem-se com o capital investido ser suficiente para gerar mais valias significativas. Um portfólio com escala de grandeza suficiente terá ganhos diários ou mensais equivalente a anos de ganhos num portfólio pequeno.
Para colmatar esta desvantagem, por norma aceita-se mais risco, para suposto maior retorno. É o sonho de qualquer investidor o seu portfólio, ser um dia, autossustentável. Por vezes decisões de investimento, através de ativos mais arriscados ou especulação, podem eclipsar meses de esforços.
A realidade é crua e o pior que pode fazer é ignorar a mesma. Os limites estão estabelecidos, pelo menos deveriam estar. Se não é possível atingir os objetivos desejados, fará sentido colocar em risco o esforço prévio? É necessário olhar outro lado da equação.

Limites da Poupança

Em toda a internet e redes sociais proliferam dicas de poupança e a ideologia de reduzir gastos ao máximo. De como essa poupança pode ser investida, e após uns anos, o leitor ser detentor de uma fortuna invejável. Esta é a maior mentira das finanças pessoais.

Existe um limite para o qual conseguimos reduzir o gasto. Se o rendimento é fixo, por mais que reduza os gastos, no limite a poupança será igual ao rendimento. Ergo, o que consegue investir está limitado no máximo ao seu rendimento.
Existe um limite no qual começamos a prejudicar o nosso conforto, saúde e vida. De facto, o leitor pode encontrar-se numa situação privilegiada onde reduzir a despesa é solução. A armadilha reside no aumento do custo e estilo de vida quando aufere um rendimento maior.

Compreender as finanças comportamentais não é apenas ser mais inteligente e melhor informado sobre o mundo em redor; trata-se também de se compreender a si mesmo e a forma como os outros pensam, para que possa estar melhor preparado para se envolver neste sistema. Isto é importante para a política, mercados e vida quotidiana.
- Cullen Roche, Pragmatic Capitalism

Não quero parecer um derrotista. Existe uma forma de investir cujo retorno tem potencial infinito. Um retorno imensurável ao alcance de qualquer um, desde que se esforçe para tal. É preciso olhar para o outro lado e ultrapassar o desfiladeiro da inércia. Esse retorno é o leitor. Esse retorno está apenas dependente de si.

Inversão de pensamento

Cullen Roche, no seu livro Pragmatic Capitalism apresenta um enquadramento diferente. Integra tudo o que se designa por investimento como sendo poupanças. Para Roche, o nosso portfólio é a combinação de todas as nossas fontes de rendimento e as poupanças. Estamos a diversificar e a alocar poupanças, mas não diversificamos ou aumentamos a(s) fonte(s) de rendimento.

A vida não começa aos vinte e termina aos sessenta e cinco anos. A vida acontece durante o tempo todo. E construir um portfólio envolve entender e preparar para isso.
- Cullen Roche, Pragmatic Capitalism

Existe outra opção de investimento para as nossas poupanças. Podemos investir em formação, em melhorar a nossa qualificação profissional. Podemos investir e criar um negócio.
Qualquer uma das formas terá um potencial de retorno muito superior ao que provavelmente ganhará com as suas poupanças. Muitos apenas ambicionam o objetivo. Não querem ter o trabalho. Não querem desenvolver o processo. Não ”perdem” para depois ganhar.

Um lado prático

Esta publicação estreia uma abordagem prática e diferente. Pretendo mostrar o quão importante é aumentar o rendimento que se aufere, ou reduzir a despensa que se pratica. Implementei algumas simulações com o objetivo de visualizar o número de anos que é necessário para atingir determinado objetivo financeiro, tendo em conta o rendimento e custo de vida mensal. Desprezei fatores como a inflação e atualização salarial.

(RC)MA=O(R - C) * M * A = O

Onde:
RR - Rendimento
CC - Custo de Vida Mensal
MM - Meses de Poupança num Ano, 12 ou 14 meses (se contar com subsídios) AA - Número de Anos
OO - Objetivo Financeiro

Consideremos um exemplo próximo do real. Um jovem, de nome José, aufere atualmente um rendimento equivalente ao salário mínimo nacional (600€ aprox.) e ambiciona comprar uma casa. Estipulou um montante objetivo para a entrada e despesas adicionais de 20 000€. O seu custo de vida atual ronda os 400€ mensais.
O José não sabe se deverá começar a poupar para a casa, ou se deverá adiar o seu objetivo mais alguns anos, e investir a poupança mensal na sua formação. Existe o receio do tempo de estudo atrasar ainda mais o seu objetivo, mas a hipótese de ambicionar um salário superior (1000€) ajudaria o seu futuro. A dúvida é pertinente.
Com a eventualidade do seu custo de vida aumentar nos próximos anos, será cada vez mais difícil reduzir gastos e poupar, se não olhar para o outro lado da equação: aumentar o seu rendimento. Nesta perspetiva, existem 3 cenários de poupança possíveis de comparar e avaliar:

  • Com rendimento de salário mínimo - O patamar de poupança possível na situação atual.
  • Com rendimento “ambicionado” (salário normal) - O patamar de poupança se já tivesse qualificações.
  • Com rendimento “tardio” - O patamar de poupança possível se direcionar a poupança para a formação durante os anos de estudo e posteriormente auferir o rendimento ambicionado.

Comecei por simular a situação específica ao caso descrito acima com os 3 rendimentos. A decisão é bastante direta segundo gráfico seguinte.

2021-07-08---simples.svg

Simulação para um Objetivo de 20 000€, 400€ de custo de vida e tempo de estudo de 3 anos. (Escala Logarítmica)

Começando a poupança com rendimento tardio, demora apenas 2 anos para ultrapassar a poupança feita em 5 anos pelo rendimento de salário mínimo. O objetivo é alcançado um pouco antes do sexto ano para o rendimento tardio, demorando cerca de 3 anos.
Para o rendimento mínimo, a poupança só ultrapassa o objetivo quase ao final de 8 anos e meio. Mesmo que o estudo demorasse mais um ano, o rendimento tardio consegue atingir o valor objetivo 1 ano e meio mais cedo em relação ao rendimento mínimo.

O próximo gráfico foi obtido resolvendo a equação para determinar os anos necessários em função do custo de vida.

(RC)MA=O(R - C) * M * A = O <=><=> A=O(RC)MA = \frac{O}{(R - C) * M}

2021-07-08---anos_cv.svg

Simulação em função do custo de vida para um Objetivo de 20 000€ e tempo de estudo de 3 anos. (Escala Logarítmica)

É interessante observar o impacto do aumento do custo de vida no rendimento mínimo. Com um mero custo de vida de 450€ por mês, o rendimento mínimo demora mais de 10 anos a poupar o que os rendimentos ambicionado e tardio demoram 3 e 6 anos respetivamente.
Estes últimos também são muito menos sensíveis a ligeiras subidas no custo de vida. Um aumento de 100€ no custo de vida mensal estende os anos necessários em cerca de meio ano. O mesmo aumento, de um custo de vida de 350€ para 450€, para o rendimento mínimo adia o alcançar do objetivo para quase mais 4 anos e meio.

Por último, o gráfico final apresenta uma abordagem semelhante, mas em função da percentagem de poupança.

A=O(RP)MA = \frac{O}{(R * P) * M}

Onde:
PP - Percentagem de Poupança Mensal

2021-07-08---anos_poupanca.svg

Simulação em função da % de poupança mensal para um Objetivo de 20 000€ e tempo de estudo de 3 anos. (Escala Logarítmica)

A percentagem de poupança não são valores concretos, ao contrário do custo de vida mensal anterior. Neste domínio é possível observar que o rendimento mínimo e tardio se cruzam nos 40% de poupança. Isto significa que, uma poupança mensal de 400€ (“atrasada” 3 anos) do rendimento tardio, equivale ao mesmo esforço de uma poupança mensal de 240€ durante 7 anos do rendimento mínimo.
Se o mesmo custo de vida for mantido para ambos os rendimentos temos por exemplo uma diferença muito significativa na poupança. Por exemplo, uma percentagem de 20% para o rendimento mínimo traduz-se em 420€ de custo de vida. Considerando esse custo de vida, para o rendimento tardio, seria o equivalente a ter uma taxa de poupança aproximada de 60% (58%). O tempo para o objetivo desce de quase 14 para quase 6 anos. Quase 8 anos de diferença e a manter o mesmo custo de vida.
Isto reforça a importância de manter o mesmo estilo de vida após um aumento de rendimento.

Calculadora Interativa

Tomei a liberdade de criar uma calculadora interativa para esta publicação.

"Para um objetivo de €, com um rendimento de € por mês, um custo de vida de € e poupando meses por ano, necessito de 8.33 ano(s) de poupança." (valor arredondado)

Sem Limites

Quando nos comparamos aos outros é saudável fazê-lo com sensatez. O contexto, desprezado inúmeras vezes, tem um impacto positivo ou negativo com base na informação que consideramos. A outra parte pode ser financeiramente independente, mas o método e percurso de vida pode ser muito díspar do seu. É uma ilusão que se cria.
O efeito de falso consenso é um viés cognitivo que resulta em ver as nossas escolhas comportamentais e julgamentos como relativamente comuns e apropriados ao meio atual. Por outras palavras, se estamos a ter sucesso financeiro porque conseguimos poupar, não vamos constatar que o outro lado está a ter sucesso porque consegue ganhar mais.
Diversificar as fontes de rendimento é a maior “cegueira cognitiva”. É estranho ver especialistas em finanças pessoais e investidores, supostamente de sucesso, venderem cursos. Se poupar e investir fossem a única qualidade necessária para atingir objetivos, não existiria motivo para vender qualquer tipo de informação (ou desinformação).
Não há limite para o rendimento que podemos ganhar. O único limitador somos nós.


PRINCÍPIOS

Investir e Poupar têm os seus limites. Reduzir a despesa e investir a poupança nem sempre garante a satisfação dos seus objetivos.

Aumentar rendimentos pode fazer toda a diferença na magnitude da sua poupança e investimentos.

Investir em si pode ser uma das melhores formas de aumentar rendimentos.


Posfácio: Esta publicação pode conter erros. Se encontrar falhas não hesite em identificar e notificar-me. Envie um email para o meu endereço.