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Fundo de Emergência para que te quero?

Um Fundo de Emergência (FE) é uma rede de segurança em caso de dificuldades financeiras. O objetivo é usar o mesmo para cobrir despesas imprevistas.
Não existe consenso relativamente ao tamanho do fundo, embora uma fórmula típica seja o levantamento das despesas mensais e multiplicar esse valor por 3, 6, 12 ou mais meses.
O património de um Fundo de Emergência deve ser muito líquido, rapidamente acessível e de risco quase nulo. A motivação para a sua existência é um compromisso entre a inexistência de rendimento e evitar recorrer a dívida numa situação de urgência.

Contexto Nacional

Dado o panorama atual em Portugal existe alguma discussão sobre o tamanho do Fundo e a sua real utilidade. Dos argumentos a favor de não usar um Fundo de Emergência ou, deter um com tamanho reduzido ou mínimo destacam-se:

  • O Estado social fornece um serviço de saúde gratuito ou de baixo custo.
  • Existe subsídio de desemprego.
  • Contratar seguros (casa, carro ou etc) com maior cobertura.

Embora alguns pontos sejam efetivamente positivos e ajudem a mitigar alguns riscos, um FE está longe de ser apenas útil nestas situações. Existem vários exemplos de problemas de saúde que o estado não comparticipa a medicação. Estas exceções são raras, mas existem.
A resposta do serviço público também pode pecar pela demora e, na minha opinião, não faz sentido hipotecar saúde e vida, podendo ser prudente explorar alternativas particulares.

A situação de desemprego requer condições específicas como anos de trabalho e a dispensa partir do empregador. O próprio subsídio de desemprego também tem limites. Para vencimentos altos existem cortes em relação ao vencimento original. O estilo de vida do desempregado pode não ser totalmente suportado.

A contratação de seguros também deve ser bem ponderada. Existem seguros cuja cobertura não oferece uma boa relação custo/qualidade e que se apoderam de uma fatia considerável dos nossos gastos. O valor gasto em excesso para probabilidades reduzidas pode ser aplicado para aumentar o FE. Contudo, a própria temática dos seguros é muito pessoal, estando relacionado com o carater psicológico do individuo.

É dono de um animal de estimação? Não se esqueça deles. As despesas veterinárias são por vezes dispendiosas e não há pior que o sentimento de impotência. São iguais a nós; quanto mais idade, maior a probabilidade de existirem problemas de saúde repentinos.

Importa realçar o que o Fundo de Emergência não é. Despesas futuras planeadas não devem ser consideradas para o FE. Isto é uma confusão comum, mas existe um modelo mental fácil de seguir: se é uma despesa que consigo prever, então devo planear uma poupança independente. Um Fundo de Emergência evita contrair dívida a todo o custo, caso surjam situações complicadas.

Que cisne é este?

A história da teoria dos cisnes negros (black swan) remonta ao século XVII quando se acreditava que todos os cisnes eram brancos. Esta verdade, que se julgava absoluta, foi desmistificada por Willem de Vlamingh, explorador Holandês, ao descobrir um cisne negro numa viagem à Austrália.
Um cisne negro são fenómenos, que Nassim Taleb popularizou nos seus livros, como sendo “desconhecidos desconhecidos” (unknown unknowns). Um evento ou informação que não se consegue prever devido ao nosso julgamento ser enviesado com base nos “conhecidos conhecidos” (known knowns) e “desconhecidos conhecidos” (known unknowns).

Este conceito é bastante recorrente e referido no mundo dos investimentos para explicar eventos impossíveis de prever, como um crash no mercado bolsista. Porém, transpor o mesmo conceito para as nossas finanças pessoais e a necessidade de um Fundo de Emergência é uma aplicação útil. O Fundo de Emergência é o nosso seguro contra um black swan. É uma forma de nos proteger contra a ingenuidade humana e fraca capacidade de avaliação de risco que possamos ter.

Um trunfo na mão

Existir um “seguro” que nos protege quando se é dispensado do trabalho de forma involuntária é diferente de conseguir cobrir todas as situações. O stress, a ansiedade e a nossa saúde mental encontram-se quase sempre ligadas à vida profissional. Somos humanos. É muito difícil separar a vida pessoal.

O assédio, felizmente cada vez mais divulgado, é outro tipo de situação que pode resultar numa fase de vida miserável. Existem cada vez mais histórias que afetam qualquer um. Não se iluda, pode acontecer consigo. Algo em comum com todos os tipos de assédio ou insatisfação prendem-se com a impossibilidade de trocar de trabalho, de dizer basta. Tudo porque não existe segurança financeira por detrás.
O poder de dizer “não” é dos melhores trunfos que se pode ter. Situações pontuais que choquem contra os nossos valores, injustiças com que não se concorda, prazos de entregas irrealistas, que em nada estão relacionados com a competência, e o podem levar a um esgotamento. Um Fundo de Emergência permite ser a nossa almofada, mas também a estratégia secreta contra qualquer alavancagem que a outra parte pensa ter sobre nós.

J.L. Collins, utiliza um termo forte para se referir à independência financeira: F-You Money. Creio que seja possível deduzir. O Fundo de Emergência é um *F-You Money temporário a uma situação adversa na nossa vida. Seja para largar o emprego não desejado, seja para não aceitar cegamente um próxima proposta por desespero.

O maior mito

A nossa psicologia gosta da certeza. Quando existe certeza e os critérios estão definidos, a dúvida desaparece e, conseguimos avaliar com melhor clareza. O problema das finanças pessoais é sem dúvida o grau pessoal e de incerteza que acarretam. Este problema adensa-se quando se insiste em tornar rígido algo que deverá ser adaptável ao nosso contexto de vida.

Comparar um Fundo de Emergência, ou usar a estratégia de outrem para o próprio, é dos piores erros que se pode cometer com as nossas finanças.

O FE não necessita de ser fixo. O FE necessita de ser flexível, bem ponderado e razoável quando falamos do número de meses de despesas. O rendimento que se aufere pode ser variável consoante a profissão. Um trabalho com rendimento variável deve por norma inferir um Fundo de Emergência maior.

Não faz sentido comparar o que não é comparável. Assim como nos investimentos, a forma de pensar, experiência de vida e contexto significam tudo. Se o FE que detém o deixa mais ansioso e menos confortável para investir, ou mais preocupado com as dívidas que possa ter, aumente até não existir desconforto. A expressão “dormir melhor à noite” é a melhor analogia para avaliar as nossas decisões.

Não complique

Repito: o capital de um FE deve ter muita liquidez, risco quase nulo e estar disponível o mais rápido possível. Não invente. Não arrisque. Uma conta à ordem, depósito a prazo (resgatável) ou até estudar a subscrição de certificados emitidos pelo IGCP são suficientes.
A estratégia de usar um cartão de crédito é desaconselhada. Se não realizar o pagamento do crédito a 100% acaba por ganhar mais uma dívida.
Utilizar outros instrumentos, como as recentes stable coins, para guardar um FE é perigoso. Uma decisão deste tipo pode colocar o próprio capital em maior risco do que os típicos instrumentos mais arriscados.
Relativamente às stable coins existem inúmeros problemas. A tecnologia blockchain, na sua base utópica, é projetada para ser descentralizada, de forma a não existir domínio completo por uma parte. É também suposto existir uma camada de transparência e imutabilidade. De facto, em parte isto é válido (por quanto tempo?) para protocolos públicos, onde as transações são transparentes e imutáveis. Contudo, para as stablecoins, por norma apenas existe uma única entidade responsável pelo controlo e operação. Não é um modelo descentralizado.
O problema da centralização também levanta questões sobre a estabilidade e activos que cobrem o valor das próprias. Qual é o objetivo de ter uma stablecoin indexada ao Dólar Americano ou Euro? Mais vale manter reservas na sua moeda original e proteger-se da falta de regulação e risco de fraude.

Um apoio na hora certa

Ser conservador com o Fundo de Emergência não deve ser chocante ou criticado. Distante na memória, o bear market que se iniciou em Outubro de 2007, derivado da crise financeira, durou 49 meses para o S&P500. Foram mais de 4 anos de perdas. Seguir cegamente uma recomendação para um FE com base num viés de um forte bull market que existiu desde a última crise é mais gritante. É impossível de adaptar um valor ou fórmula a todo o investidor. Contudo, existe uma característica que todos partilham: *um Fundo de Emergência substitui a nossa necessidade de robustez mental para aguentar tempestades nos mercados.
A liquidez imediata de um FE evita que se converta perdas potenciais em reais nos investimentos mais voláteis, e reforça o sentimento de segurança financeira.

Não se pode esperar ganhar a guerra da Vida ao perder todas as batalhas. É preciso ter uma boa defesa e olhar para dentro de nós. Sun Tzu escreveu a Arte da Guerra há mais de 2500 anos. Recordo muitas vezes estas palavras:

“Se não te conheces a ti mesmo nem ao inimigo, irás sucumbir em todas as batalhas.”- Sun Tzu, A Arte da Guerra.


PRINCÍPIOS

Um Fundo de Emergência é pessoal e não comparável. O FE necessita de ser flexível, bem ponderado e razoável.

O Fundo de Emergência é o nosso seguro contra um evento *black swan*.

O Fundo de Emergência fornece um grau de cobertura para enfrentar situações adversa na nossa vida.